NEM SE, NEM MAS, NEM TALVEZ
Ao terminar o Jubileu da Misericórdia,
Francisco quis oferecer à Igreja o Dia Mundial dos Pobres: todos os anos no
penúltimo Domingo do Ano Litúrgico. Com esta iniciativa, pretende-se
“estimular, em primeiro lugar, os crentes, para que reajam à cultura do
descarte e do desperdício, assumindo a cultura do encontro”. Mas o convite é "dirigido a todos, independentemente da sua pertença religiosa, para que se
abram à partilha com os pobres em todas as formas de solidariedade, como sinal
concreto de fraternidade”. E pedindo que “não pensemos nos pobres apenas como
destinatários duma boa obra de voluntariado, que se pratica uma vez por semana,
ou, menos ainda, de gestos improvisados de boa vontade para pôr a consciência
em paz”, ele desafia-nos “a estender a mão aos pobres, a encontrá-los, fixá-los
nos olhos, abraçá-los, para lhes fazer sentir o calor do amor que rompe o
círculo da solidão. A sua mão estendida para nós é também um convite a sairmos
das nossas certezas e comodidades e a reconhecermos o valor que a pobreza
encerra em si mesma”.
Hoje, há grande dificuldade em identificar a pobreza. Mas ela “interpela-nos
todos os dias com os seus inúmeros rostos marcados pelo sofrimento, pela
marginalização, pela opressão, pela violência, pelas torturas e a prisão, pela
guerra, pela privação da liberdade e da dignidade, pela ignorância e pelo
analfabetismo, pela emergência sanitária e pela falta de trabalho, pelo tráfico
de pessoas e pela escravidão, pelo exílio e a miséria, pela migração forçada. A
pobreza tem o rosto de mulheres, homens e crianças explorados para vis
interesses, espezinhados pelas lógicas perversas do poder e do dinheiro”.
Sendo a opção pelos pobres uma exigência evangélica, são “benditas as mãos que
se abrem para acolher os pobres e socorrê-los: são mãos que levam esperança.
Benditas as mãos que superam toda a barreira de cultura, religião e
nacionalidade, derramando óleo de consolação nas chagas da humanidade. Benditas
as mãos que se abrem sem pedir nada em troca, sem «se» nem «mas», nem «talvez»:
são mãos que fazem descer sobre os irmãos a bênção de Deus”.
Convidando o leitor a ler a Mensagem do Santo Padre para a celebração deste
primeiro Dia Mundial dos Pobres, deixo-o com um texto de São Vicente de Paulo
que nos aparece na Liturgia das Horas. Diz ele: “A nossa atitude para com os
pobres não se deve regular pela sua aparência externa nem sequer pelas suas
qualidades interiores. Devemos considera-los, antes de mais, à luz da fé. O
Filho de Deus quis ser pobre e ser representado pelos pobres. Na sua paixão,
quase perdeu o aspeto de homem; apareceu como um louco para os gentios e um
escândalo para os judeus. Todavia apresentou-Se a estes como evangelizador dos
pobres: Enviou-Me para evangelizar os pobres. Também nós devemos ter os mesmos
sentimentos de Cristo e imitar o que Ele fez: cuidar dos pobres, consola-los,
socorrê-los e recomendá-los. Cristo quis nascer pobre, chamar para sua
companhia discípulos pobres, servir os pobres e identificar-se com os pobres, a
ponto de dizer que o bem ou o mal feito a eles o tomaria como feito a Si mesmo.
Deus ama os pobres, e por conseguinte amam também aqueles que os amam. Na
verdade, quando alguém tem especial afeto a uma pessoa, estende também este
afeto aos seus amigos e servos. Por isso, temos razão para esperar quer, por
causa do nosso amor dos pobres, também nós seremos amados por Deus.
Quando os visitamos, procuremos compreender a sua pobreza e infelicidade para
sofrer com eles e ter os sentimentos de que fala o Apóstolo, quando diz: Fiz-me
tudo para todos. Esforcemo-nos por sentir profundamente as preocupações e
misérias dos nossos semelhantes; peçamos a Deus que nos dê o espírito de
misericórdia e compaixão e que conserve sempre em nossos corações estes
sentimentos.
O serviço dos pobres deve ser preferido a todos os ouros e deve ser prestado
sem demora. Se durante o tempo de oração, tiverdes de levar um medicamento ou
qualquer auxílio a um pobre, ide tranquilamente, oferecendo a Deus essa boa
obra como prolongamento da oração. E não tenhais nenhum escrúpulo ou remorso de
consciência se, para prestar serviço aos pobres, tivestes de deixar a oração.
De facto, não se trata de deixar a Deus, se é por amor de Deus que deixamos a
oração: servir um pobre é também servir a Deus.
A caridade é a máxima norma, e tudo deve tender para ela; é uma grande senhora:
devemos cumprir o que ela manda. Renovemos, portanto, o nosso espírito de
serviço aos pobres, principalmente para com os mais abandonados. Esses hão de
ser os nossos senhores e protetores”.
D. Antonino Dias
Bispo de Portalegre / Castelo Branco
17-11-2017
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