As várias “Quaresmas” de S. Francisco de Assis


São Francisco, no desejo de imitar e assemelhar-se o mais possível a Jesus Cristo, com a finalidade de reviver os mistérios que ocorrem durante o ano litúrgico, não se limita em fazer as quaresmas “grandes”: quaresma em preparação da Páscoa do Senhor, ou advento em preparação ao Natal, mas quis ir além. São seis as Quaresmas que Francisco fazia durante o ano. Isto quer dizer que durante duzentos e quarenta dias por ano ele passava na solidão e no retiro, rezando e mortificando-se, longe dos homens e perto de Deus, num desejo duma continua conversão. Ou seja, dois terços de seu tempo na contemplação e somente um terço nos trabalhos apostólicos! São:

● a Quaresma da Epifania (7 de Janeiro a 15 de Fevereiro): Com esta quaresma São Francisco queria viver um tempo especial entre o Natal do Senhor e a Páscoa. São festividades intimamente unidas uma na outra e representam como dois pólos ao único mistério de salvação. Diz o biografo Celano: “ ele meditava continuamente as palavras do Senhor... mas sobre tudo a humildade da encarnação e a caridade da paixão... e dificilmente não conseguia pensar em outras coisas (I Cel. 84;467).

● a Quaresma da Ressurreição do Senhor (de Quarta-feira de Cinzas até à Páscoa): gostava chamar este tempo “Quaresma das Quaresmas”

● a Quaresma de São Pedro e São Paulo, (de 20 de Maio a 29 de Junho), pelo seu profundo respeito e devoção para com a Igreja. E através dessa Quaresma manifestava sua comunhão com a jerarquia da Igreja, sobretudo para com o papa.

● a Quaresma da Assunção de Nossa Senhora (de 29 de Junho a 15 de Agosto) dando assim o caráter eclesiástico- mariano, como testemunha São Boaverntura: “Ele tinha uma grande devoção e amor para com a Virgem Maria pelo fato que era mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo”.

● a Quaresma de São Miguel Arcanjo (de 15 de Agosto a 29 de Setembro) pela sua muita devoção aos santos anjos. Devemos venerá-los – dizia ele – estes companheiros de caminhada, que nos acompanham em qualquer lugar, como nossos guardiões. E em fim,

● a Quaresma do Advento ou da Encarnação (da Festa de Todos os Santos até ao Natal) do Senhor.

Entre muitos episódios, vamos lembrar como uma vez São Francisco passou a Quaresma das Quaresmas, na ilha do lago Trasimeno:

“Estando uma vez São Francisco, no dia do carnaval, ao lado do lago de Perusa, na casa de um seu devoto, com quem tinha se hospedado à noite, foi inspirado por Deus que fosse fazer aquela Quaresma numa ilha do lago. Por isso, São Francisco pediu a esse seu devoto que por amor de Cristo o levasse com a sua barca a uma ilha do lago onde não morasse ninguém, e fizesse isso na noite do dia de Cinzas, de modo que ninguém se desse conta. E ele, por amor da grande devoção que tinha por São Francisco, atendeu solicitamente ao seu pedido e o levou para a dita ilha; e São Francisco não levou consigo a não ser dois pãezinhos. E quando chegou à ilha e o amigo estava partindo para voltar para casa, São Francisco pediu-lhe encarecidamente que não revelasse a ninguém como ele estava lá, e que não viesse buscá-lo a não ser na Quinta-feira Santa. E assim ele partiu, e São Francisco ficou sozinho.

E como não havia nenhuma habitação em que pudesse abrigar-se, entrou num bosque muito espesso, que ameixeiras e arbustos tinham ajeitado como um ninho ou como uma cabaninha; e nesse lugar pôs-se a rezar e a contemplar as coisas celestiais. E esteve aí durante toda a Quaresma, sem comer nem beber, a não ser a metade de um dos pãezinhos, como descobriu o seu devoto na Quinta-feira Santa, quando voltou a ele; o qual encontrou, dos dois pãezinhos, um e meio; e a outra metade se acredita que São Francisco comeu por devoção ao jejum de Cristo bendito, que jejuou quarenta dias e quarenta noites sem tomar nenhum alimento material. E assim, com aquele meio pão, afastou de si o veneno da vanglória e, a exemplo de Cristo, e jejuou quarenta dias e quarenta noites”. (Fioretti,7)

Queremos lembrar que enquanto Francisco se afastava dos homens e das atividades deste mundo e procurava o silêncio e solidão fazendo as suas quaresmas, ele continuava vivendo em profunda comunhão com Deus, consigo mesmo e com as criaturas. Nada lhe impedia de amar e admirar todas as criaturas, de degustar o que é bom e belo do universo. Não queria possuir alguma coisa neste mundo, mas, gozava livremente de todas. Livre de toda cupidez estava em adequadas condições para ouvir a voz das criaturas, cercá-las de amor e elevá-las com Cristo e por Cristo ao Pai. Por isso Francisco realizava suas quaresmas escolhendo o verde das selvas, a verdade das ervas e das flores, o canto dos pássaros, a vastidão dos horizontes, que facilitavam seu impulso contemplativo e revestiam de cunho alegre seus jejuns e suas mortificações. (Dicionário Franciscano)

Durante uma estadia de São Francisco no monte Alverne, fazendo a quaresma em honra de São Miguel Arcanjo, um falcão que morava por aquelas partes fez com ele um pacto de amizade: à noite, chegando a hora em que o santo tinha por hábito levantar-se para recitar o ofício divino, ele o antecipava sempre com seu canto. Isso era sumamente grato ao santo, pois a constante solicitude que o falcão tinha com ele fazia expulsar toda tentação de preguiça. Mas quando o servo de Deus piorava em suas enfermidades, o falcão se mostrava muito atento e condescendente, não o despertando a horas impróprias da noite. Pelo contrário, como estava instruído pelo próprio Deus, ao amanhecer, prorrompia em leves e suaves ruídos, à semelhança de quem toca um sino. As alegrias de toda aquela variedade de aves bem como o canto do falcão eram seguramente o presságio divino da elevação que nesse lugar, pouco depois, a aparição do serafim devia conferir ao cantor e ao adorador de Deus arrebatado nas asas da contemplação. (LM 8,10).

Pois bem, vamos nós também, nesta quaresma, procurar um pouco mais o silêncio e a solidão, que não seja uma fuga das nossas responsabilidades, mas, para experimentarmos os sabores celestiais e enxergarmos melhor a beleza e o equilíbrio que estão contidos no mistério da criação; o jejum e a oração não tenha somente o sabor amargo da penitencia mas, também, o sabor da alegria em contemplar o mistério da redenção e a caridade como fruto inevitável desta bondade contemplada!

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