"Padres de sala de estar ou discípulos missionários?”
Papa Francisco escava na alma de cada sacerdote,
recordando a urgência do seu ministério e convidando-os a deixar-se
"moldar" como "barro" por um Deus que é um "Oleiro com
‘o’ maiúsculo", paciente e atento às suas criaturas. É justamente
nessa imagem de memória bíblica que o Pontífice sintetiza toda a formação dos
sacerdotes, tema central da "Ratio Fundamentalis Institutiones
Sacerdotalis" sobre a qual se realizou de 4 a 7 de Outubro, em Roma, um
encontro internacional organizado pela Congregação para o Clero, cujos
participantes foram recebidos em audiência na Sala Clementina.
No seu longo discurso o Papa Francisco ressaltou que o
tema da formação sacerdotal "é determinante para a missão da Igreja",
porque "a renovação da fé e o futuro das vocações só é possível se
tivermos sacerdotes bem formados." Mas esclareceu que essa formação
"é essencialmente dependente da ação de Deus nas nossas vidas e não das
nossas atividades." Portanto, não é uma obra "que se resolve com
alguma atualização cultural ou alguma iniciativa local esporádica", mas o
fruto do trabalho de um "Deus artesão, paciente e misericordioso" que
"coloca em sua roda de oleiro o barro, modela-o, plasma-o e assim, dá-lhe
forma". E "se percebe que o vaso não ficou bom", "atira
novamente a argila na massa e, com ternura de Pai, volta novamente a
moldá-la".
Uma metáfora, esta, observou Francisco, que ajuda a
compreender que "quando nos distanciamos de nossos hábitos confortáveis,
da rigidez dos nossos esquemas e da presunção de já ter chegado lá, e temos a
coragem de nos colocar diante do Senhor, então Ele pode retomar o seu trabalho
sobre nós, moldando-nos e transformando-nos".
É preciso ser repetido com força, afirmou o papa:
"Se alguém não se deixa formar pelo Senhor todos os dias, transforma-se
num padre apagado, que se arrasta no ministério por inércia, sem entusiasmo
pelo Evangelho, nem paixão pelo povo de Deus". Pelo contrário, quando se
coloca nas mãos experientes do Oleiro "irá conservar o entusiasmo no tempo
" e "falar palavras que podem tocar a vida das pessoas",
conseguindo aliviar suas "feridas", "expectativas" e
"esperanças".
Mas existe também outro aspecto a considerar:
"Cada um de nós, padres, é chamado a colaborar com o divino Oleiro! Nós
não somos apenas barro, mas também ajudantes do Oleiro, colaboradores da sua
graça", explicou o Papa Francisco. Nessa "oficina do oleiro"
existe também outro protagonista: o próprio padre ou seminarista que se deixa
moldar por Deus quando não se fecha "na pretensão de já ser uma obra acabada”.
Isto implica alguns "sim" e alguns
"não" a serem ditos: o padre ou futuro padre - destacou Bergoglio -
"mais que o ruído das ambições humanas, vai preferir o silêncio e a
oração; mais que confiar em suas obras, vai saber se entregar às mãos do oleiro
e sua providencial criatividade; mais que os esquemas pré-concebidos, vai se
deixar guiar por uma inquietação saudável do coração, de modo a orientar sua
própria incompletude para a alegria do encontro com Deus e com os irmãos. Mais
que o isolamento, procurará a amizade com os irmãos no sacerdócio e com o seu
povo".
Francisco também discutiu o papel dos bispos e de
todos aqueles que, na Igreja, são chamados a serem os primeiros formadores da
vida sacerdotal: o reitor, os diretores espirituais, os educadores, os
responsáveis pela formação permanente do Clero. "Se um formador ou um
bispo não "descer à oficina do oleiro" e não colaborar com a obra de
Deus, não podemos ter sacerdotes bem formados", advertiu o papa.
Sacerdotes, portanto, que saibam anunciar o Evangelho com "entusiasmo e
sabedoria", que tenham condições de "acender a esperança lá onde as
cinzas cobriram as brasas da vida, e gerar a fé nos desertos da história".
Nesse sentido, é fundamental "uma vizinhança
cheia de ternura e responsabilidade pela vida dos padres, uma capacidade de
exercer a arte do discernimento como instrumento privilegiado de todo o caminho
sacerdotal". "Trabalhem em conjunto!", recomendou o papa
principalmente para os bispos. "Tenham um coração grande e uma forte
preparação para que a sua ação possa cruzar os limites da diocese e conectar-se
com a obra dos outros irmãos bispos". Portanto, continuou, "é preciso
dialogar mais, superar os paroquialismos, fazer escolhas partilhadas, juntos
dar início a bons percursos de formação e preparar mesmo de longe formadores à
altura dessa tarefa tão importante".
Finalmente, não devemos esquecer as pessoas, com
"as dificuldades das suas situações, com as suas demandas e as suas
necessidades". As pessoas, o povo, não são apenas os destinatários de uma
missão, mas também a "grande ‘roda’ que gira para moldar o barro do nosso
sacerdócio", explicou o papa, "uma verdadeira escola de formação
humana, espiritual, intelectual e pastoral". "Se ao pastor é
atribuída uma porção do povo, também é verdade que ao povo é confiado o
sacerdote. E, apesar das resistências e incompreensões, se caminharmos no meio
das pessoas e nos empenharmos com generosidade, perceberemos que elas são
capazes de gestos surpreendentes de atenção e ternura para com os seus
padres".
O lugar do padre é, portanto, “a jusante” entre as
pessoas “sem jamais temer os riscos e se enrijecer nos juízos". Assim, ele
se forma "fugindo tanto de uma espiritualidade sem carne, como, por outro
lado, de um compromisso mundano sem Deus".
Portanto, nessa "oficina do oleiro" cada
sacerdote deve entrar depois de ter esclarecido algumas dúvidas: "Que
padre eu quero ser? Um "padre sala de estar", do tipo tranquilo e
acomodado, ou um discípulo missionário dentro do qual arde o coração pelo Mestre
e pelo Povo de Deus? Um padre que se acomoda em seu bem-estar ou um discípulo
no caminho? Um padre morno que prefere a vida tranquila, ou um profeta que
desperta no coração do homem o desejo de Deus?".
Salvatore Cernuzio, Vatican
Insider.
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Tradução: Luisa Rabolini
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