Reflexão pessoal 


Em contraponto aos numerosos sinais de crise no matrimónio aviva-se o desejo de família (AL1) e aos bispos sinodais coube olhar para as famílias de hoje e confrontarem-se com a complexidade dos temas (AL2). E precisamente pela existência desta complexidade foi (é!) necessário “continuar a aprofundar, com liberdade, algumas questões doutrinais, morais, espirituais e pastorais” (AL2). Uns irão querer mudar tudo… outros irão querer regras, normas, leis. Mas nem todas “as discussões doutrinais, morais ou pastorais devem ser resolvidas através de intervenções magisteriais” (AL3). A Igreja necessita de “uma unidade (…), mas isto não impede que existam maneiras diferentes de interpretar alguns aspectos da doutrina ou algumas consequências que decorrem dela” (AL3) [“Assim há-de acontecer até que o Espírito nos conduza à verdade completa (cf. Jo 16, 13), isto é, quando nos introduzir perfeitamente no mistério de Cristo e pudermos ver tudo com o seu olhar.” (AL3)].

O Papa Francisco, ao longo do caminho sinodal, foi recebendo contribuições de todos os que participaram e foram estas contribuições que o ajudaram “a considerar, em toda a sua amplitude, os problemas das famílias do mundo inteiro” (AL4). Esta Exortação resulta da recolha dos contributos dos dois Sínodos à qual foram acrescentadas “outras considerações que possam orientar a reflexão, o diálogo ou a práxis pastoral, e simultaneamente ofereçam coragem, estímulo e ajuda às famílias na sua doação e nas suas dificuldades” (AL4).

Para o Santo Padre esta Exortação tem um duplo significado, neste Ano da Misericórdia (AL5):

- É “uma proposta para as famílias cristãs, que as estimule a apreciar os dons do matrimónio e da família e a manter um amor forte e cheio de valores como a generosidade, o compromisso, a fidelidade e a paciência”;

 - Propõe-se “encorajar todos a serem sinais de misericórdia e proximidade para a vida familiar, onde esta não se realize perfeitamente ou não se desenrole em paz e alegria”

Estas quase 300 páginas de exortação não foram redigidas de modo aleatório! Há uma metodologia subjacente (e Divina!). O Papa Francisco ao iniciar o texto inspira-se na Sagrada Escritura, a seguir considerou a situação actual das famílias, “para manter os pés assentes na terra” (não sou eu que o escrevo! Foi o próprio Papa!), e ao mesmo tempo fundou-se nos elementos essenciais da doutrina da Igreja sobre o matrimónio e a família, sendo os capítulos centrais dedicados ao Amor. Posto isto, destacou alguns caminhos pastorais que possam levar à construção de famílias sólidas e fecundas, segundo o plano de Deus, e dedicou-nos ainda um capítulo à educação dos filhos. A seguir, para terminar, e como não poderia deixar de ser, convida-nos à misericórdia, ao discernimento pastoral perante as situações que não correspondem plenamente à proposta do Senhor. Remata tudo com breves linhas de espiritualidade familiar (AL6).

Acrescentar o que quer seja às palavras do Santo Padre seria uma arrogância da minha parte! Mas é impossível não reflectir previamente sobre este desafio que o Papa Francisco nos lança: sede misericordiosos!

E para eu o poder ser (tentar, vá!) preciso de me despojar de todos os preconceitos, ideias, regras, culpas, preciso antes de mais de me deixar inundar pelo Amor de Deus e pela graça do Espírito Santo (oh… que longo caminho este…!)

Esta Exortação não foi escrita para agradar a ninguém. Se alguém esperava mais um código, desapontou-se! Se alguém esperava portas escancaradas a tudo, desiludiu-se! Esta é uma reflexão sobre o Amor, o Amor pelo próximo, o Amor em Família (esposos, filhos, pais, irmãos…), o Amor-Caridade! Uma coisa percebi / aprendi logo que iniciei a leitura: nunca irei perceber as decisões (ou não decisões) do Papa nos capítulos mais à frente, se não ler tudo e não entender o referencial que ele nos propõe.

Das vozes dissonantes que se ouvem resta-me uma conclusão: temos muito medo da responsabilidade! O facto de o Papa Francisco remeter para um discernimento pastoral algumas decisões implica que os envolvidos ‘percam’ tempo a discernir. Depois esse discernimento irá conduzir a uma tomada de decisão… que envolve responsabilidade. É tão mais fácil remeter para terceiros as nossas próprias responsabilidades… é tão mais fácil quando alguém decide por nós… é tão mais fácil agarrarmo-nos a leis, regras, códigos… Atenção que com isto não digo que as leis não são importantes! Sem regras viveríamos no caos! Mas parece-me que o que se procura é a regra, da regra, da regra, da regra….

Recordo aqui as palavras do Papa Francisco durante a Homilia do passado dia 11 de Abril, a propósito do arrependimento de Judas, descrito em S. Mateus: “Faz-me mal quando leio aquele pequeno trecho do Evangelho de Mateus, quando Judas arrependido vai aos sacerdotes e diz ‘pequei’ e quer dar … e dá as moedas. ‘Que nos importa! – dizem eles – o problema é seu!” Um coração fechado diante deste pobre homem arrependido que não sabia o que fazer. (…)“A eles não importa a vida de uma pessoa, a eles não importa o arrependimento de Judas: O Evangelho diz que ele voltou arrependido. A eles importa somente o seu esquema de leis e muitas palavras e coisas que construíram. Esta é a dureza de seu coração. (…)”

Quantos caminhos errados os homens trilham e se arrependem de coração contrito? Quantos caminhos errados percorreram sem o conhecimento pleno do erro? E o que se faz quando eles correm a clamar ajuda, perdão? Vêm os doutores das leis e arremessam-lhe à cara as leis, desfiam os artigos dos códigos e por fim viram-lhes as costas, porque dá uma trabalheira ouvi-los, acarinhá-los e ajudá-los a Caminhar na Verdade (ui! aqui é um trabalho hercúleo mesmo!) E além disso, é uma canseira perdoar-lhes, pois do cimo do seu pedestal julgam-se imaculados e acima de tudo e de todos!

Leiam, por favor, a Exortação! Irão descobrir coisas maravilhosas! Eu descobri e acima de tudo: aprendi!


A.P.L

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