O QUE FARIA O PAPA FRANCISCO NO SEU
LUGAR?
Esta é a pergunta que deveria estar colada em letras garrafais em todas as sacristias do País: da igreja mais pequena ao Santuário de Fátima, passando pelos patriarcados e pela Conferência Episcopal Portuguesa!
Permita-me
o leitor a exceção de começar este texto com uma história pessoal. Um dos meus
filhos andava na catequese quando foi “convocado” para fazer a Primeira
Comunhão, com os outros meninos da sua turma. Ficou, como todas as crianças de
9 anos, entusiasmado com a ideia, e preparou-se com um afinco inédito (e até
surpreendente para mim) para o acontecimento: decorou todas as orações,
preparou-se para a conversa da Primeira Confissão, convidou toda a família para
o evento solene.
Na véspera da cerimónia, camisa branca engomada, vela do
batismo recuperada e tudo a postos para o grande dia, estava ele a terminar o
ensaio geral quando a catequista lhe diz que afinal não ia poder participar.
Tinha havido uma confusão com a papelada e, como ele não tinha tido dois anos
de catequese, afinal não podia comungar. Se não tivesse sido batizado, a coisa
era diferente e poderia fazer logo tudo no mesmo dia. Assim nem pensar, ditavam
as regras. Dito assim – a uma criança e na véspera –, depois de meses de
preparação. O rapaz ficou genuinamente desolado, não queria acreditar.
Ligou-nos em pranto.
Fui
falar com o pároco e com a catequista e expliquei que as regras não fazem
sentido (os batizados serem “prejudicados” em relação aos não batizados) e não
podiam dar-lhe esta desilusão agora, depois de tanto esforço da sua parte,
sobretudo por causa de um erro burocrático e não dele.
Foi um diálogo
infrutífero – falei com uma parede de burocracia, intolerância e incompreensão.
Até que, em tirada de despedida, me saltou a tampa e questionei: “Tem a certeza
que era isto que faria o Papa Francisco no seu lugar?” Meia hora depois recebo
um telefonema a dizer que afinal tinham conseguido dar a volta à questão e que
o miúdo poderia comungar. Fez a Comunhão, mas a relação esfriou. Ele nunca mais
quis ouvir falar de catequese, e eu também não.
“O
que faria o Papa Francisco no seu lugar?” é a pergunta que deveria estar colada
em letras garrafais em todas as sacristias do País: da igreja mais pequena ao
Santuário de Fátima, passando pelos patriarcados e pela Conferência Episcopal
Portuguesa. Se todos os responsáveis católicos sem exceção (do cardeal ou
pároco da aldeia) se pautassem no seu dia a dia pela forma como Bergoglio
atuaria, talvez não tivéssemos uma Igreja tão triste, fria, distante das
pessoas e com um discurso tão desfasado e anacrónico [leia a reportagem de capa
na edição impressa da VISÃO, assinada por António Marujo].
Francisco,
este Papa extraordinário ( .....) , vale acima de tudo pelo exemplo
inspirador de renovação que deve impor a toda a instituição. Tem todas as
características de um grande líder político (embora ele recuse esse estatuto e
a ideia de que é de esquerda, porque diz que tudo o que advoga está afinal nas
escrituras) – humanismo, vontade de mudar, coragem, carisma e despojamento – e
é isso que inquieta a ala conservadora da Igreja. Os mesmos que veem a
homossexualidade como uma doença, que recusam dar a comunhão a pessoas
divorciadas, que apontam o dedo em vez de integrar.
Francisco
não será revolucionário ao ponto de mexer nas doutrinas católicas estruturantes
do casamento, do aborto ou do papel da mulher que fazem parte da tradição
milenar cristã, mas deixa esta ala cada vez mais insegura, num clima de
desconforto que provavelmente não se sentia desde o Concílio Vaticano II nos
anos 60.
( ... ) Aquele que numa das primeiras respostas aos
jornalistas chocou meio mundo ao soltar um desinibido “quem sou eu para
julgar?” a propósito da homossexualidade. Aquele que lava os pés a criminosos e
batiza filhos de mães solteiras, que recusa mordomias e luxos (ou não fosse um
jesuíta), que recuperou os conceitos originais de caridade, benevolência e graça. ( ... ). Possa a Igreja Portuguesa inspirar-se, aprender com ele e
seguir também as suas pisadas.
Site
VISAO, Mafalda Anjos
Sem comentários:
Enviar um comentário